O cúmplice


Carina Mendes

─ Norma? Norma? ─ ele olha para um lado e para o outro, atônito.

Não reconhece aquele quarto de início, mas aos poucos vai recobrando a lembrança da noite anterior. Beijos irresponsáveis, mãos atrevidas, vontades incontidas, fato consumado. Aquela atitude estava no rol das coisas proibidas, quando Inácio souber vai ficar uma fera.

“E ainda por cima me esqueceu aqui, não acredito que me esqueceu!”, ele se dá conta perdido entre o amontoado de lençóis impregnados. Norma levara também o seu parceiro, o seu duplo. Eram gêmeos, univitelinos, desses indistintos. “Talvez ela se lembre de mim quando olhar para ele”, esperançou.

O cheiro ambiente o deixa nauseado e sente-se sem forças, golpeado pelo destino imprevisto. Percebe a sua solidão, como se estivesse encerrado numa caixa vazia sem buraco para respirar, sufoca. Então se perde em devaneios labirínticos, e em nenhum dos cenários imaginados ele retorna para os braços de Norma.

De repente escuta um ranger de porta e ofusca seus pensamentos na tentativa de não ser descoberto. Não adianta. Uma senhora de avental se aproxima da cama e, com certa cegueira, sacode os lençóis, ele cai no chão e rola para debaixo dela. Só agora percebe que está sem parte do seu traje, olha para o chão vasculhando se também caiu na sacudida. Nada. Sente-se desprotegido, esquecido e permanece ali, quietinho, por todo o dia.

À noite, já conformado com as novas circunstâncias, escuta sons na casa, tábuas rangendo e passos em sua direção. Avista dois pés com calçados masculinos na beira da cama, a barra de uma calça social, um calafrio lhe percorre a espinha. O homem se abaixa com o celular no ouvido e olha diretamente para ele, dentro dos seus olhos, e anuncia em baixo tom: “Norma, encontrei o seu brinco”.

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Carina Mendes

E-mail: mendes.carina@gmail.com

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